#9 o que você tem na cabeça?
três lições de divertidamente 2, animação sobre saúde mental que conquistou a maior bilheteria da história do brasil
oie!
ainda dá tempo de falar de divertidamente? não sei se você viu, mas o filme conquistou o título de maior bilheteria da história do brasil. a viagem ao centro da mente da pequena riley levou crianças e adultos para o cinema, fazendo muita gente repensar a própria vida. esta semana, toco em três pontos cirúrgicos dessa animação. vem cá :)
tempo de leitura desta news: calma, ansiedade, são só 10 minutos
saúde mental é o tema do momento. se até o início dos anos 2000 a lógica manicomial imperava, confinando em hospitais psiquiátricos quem não se adequava ao modelo produtivo capitalista, agora, com os manicômios no chão, discutimos abertamente nosso adoecimento psíquico do lado de fora.
tá certo que tem muito debate raso internet adentro, capitalismo vendendo ritalina como se fosse pilula mágica, responsabilização individual por problemas coletivos, gente descobrindo transtorno mental pelo teste do ursinho pooh, coach dando curso de ~neuroastrologia quântica~ para tratar depressão, e por aí vai.
mas, bem ou mal, estamos falando mais sobre autocuidado. e nada mais bem-vindo nesse momento do que um filme que categoriza nossas emoções em bonequinhos carismáticos, apresentando de forma didática uma parcela do universo complexo que existe dentro da gente.
então, separei três aspectos que me chamaram a atenção ao longo do filme.
o que é ruminação e como ela nos faz sofrer?
uma das operações estratégicas da alegria na cabeça da riley era afastar lembranças tristes quando elas eram desnecessárias: o que importa fica, o que não importa vai pro fim da fila. como nossa memória é seletiva, faz sentido focar no presente e diversificar sensações e vivências prazerosas.
o contrário disso pode levar ao que psicólogos chamam de ruminação, padrão de pensamento repetitivo que evoca afetos pesados, como tristeza, culpa, medo, angústia e estresse. sabe quando sua mente começa a girar em falso arrastando histórias que te trazem angústia? pois é.
a ruminação pode nascer de situações reais ou imaginárias e desencadear dor psíquica e comportamentos autopunitivos, como chorar quando alguém faz um elogio.
estudos sobre isso ganharam força a partir dos anos 1990, com as pesquisas da professora susan nolen-hoeksema, da universidade de yale. ao investigar o “pensar demais” ou “overthinking”, a especialista percebeu que esse hábito está associado à piora da depressão.
e, como o filme mostra, a ansiedade também participa dessa tortura. quando perde o controle de si por medo da falha, rejeição ou solidão, a personagem traz de volta todas as bolinhas com memórias depreciativas sobre a riley, iniciando uma exibição de cenas tristes em looping.
a ruminação também é capaz de gerar sensações equivocadas: ninguém é totalmente bom ou ruim em algo, e o fenômeno pode nos levar a extremos, nos fazendo enxergar os outros como muito bons e a nós mesmos como insuficientes. só o autoconhecimento e uma dose generosa de amor próprio são capazes de parar essa avalanche.
a relação com o outro pode nos lembrar de quem somos ou fazer com que a gente se perca
em uma das primeiras cenas do filme, riley se aproxima de uma menina que deixa cair vários objetos no chão e se propõe a ajudá-la, dando início a uma amizade. esse vínculo a ajuda a construir uma consciência positiva de de si.
por outro lado, quando se sente obrigada a criar vínculos de forma protetiva para se sentir segura em um espaço onde amizades são chancelas de competência e popularidade, a menina se perde e a ansiedade toma o painel de comando.
isso nos mostra que a relação com o outro pode regar o que existe de mais potente em nós, mas, dependendo da forma como esse vínculo se estabelece, existe a chance de nos perdermos da nossa potência.
expressões faciais podem dizer mais do que palavras
quando riley convida as melhores amigas para seu time de hockey no gelo, consegue entender pelas expressões faciais das meninas que elas têm um segredo. o impacto do semblante na transmissão das emoções não é secundário no filme, seja porque as personagens são bem expressivas, seja porque esse assunto vem à tona de forma direta, como acontece nessa cena.
esse é um dos temas de estudo do psicólogo paul ekman, consultor da franquia divertidamente e um importante pesquisador das emoções humanas. em um de seus estudos mais relevantes, ele investigou diferentes culturas pelo mundo e mapeou expressões faciais que coincidiam em todas elas, listando aspectos em comum.
nessa mesma linha, ekman catalogou sentimentos que considerou universais, como alegria, raiva, medo, nojo, surpresa e tristeza. coincidência ou não, parte delas são figurinhas carimbadas de divertidamente 1 e 2.
ekman recebeu muitas críticas sobre sua forma de fazer pesquisa. ele chegou a recusar, por exemplo, que artigos seus fossem revisados por pares. além disso, a ideia de expressões universais inatas (defendida pela primeira vez por charles darwin) incomoda cientistas que entendem essas manifestações como fruto da cultura.
de uma forma ou de outra, compreender esse mecanismo é importante porque nossas emoções não partem apenas dos divertidamente da nossa cabeça, mas também da interação com os divertidamente da cabeça dos outros, que podem vir à luz por meio de gestos e expressões faciais. o psicanalista christian dunker fala disso em um vídeo que fez sobre o filme.
e aí, você assistiu? teve algum insight legal? conta aqui <3
vai fundo
vivabem
como as memórias se formam, por que elas nos enganam e qual a importância de esquecer certas coisas.
superinteressante
um dos personagem de divertidamente 2 é o tédio. mas, na versão em inglês do filme, o nome dele é enui, expressão francesa que não tem uma tradução precisa para o português e corresponde a uma preguiça crônica do mundo, uma espécie de pessimismo existencial, daqueles que batem na adolescência e naqueles momentos em que a sua bateria social despenca. tédio foi o termo mais próximo que os tradutores brasileiros encontraram no aurélio para nomear essa falta de energia vital. você teria alguma outra sugestão?
richard firth-godbehere
em uma história das emoções humanas, o pesquisador richard firth-godbehere detalha como a compreensão das emoções ao longo do séculos formou o mundo que conhecemos.
ted
as expressões faciais são universais?
crescer
muitos chamados, poucos escolhidos: confira as emoções cortadas de divertidamente 2.
eva heller
obra clássica do design, a psicologia das cores, da socióloga eva heller, mostra como interpretamos e representamos as cores a partir de influências socioculturais.
david le breton feat david le breton
em antropologia das emoções e antropologia dos sentidos, o sociólogo e antropólogo francês explora a organização sensorial de cada sociedade e a concepção do sentir em diferentes culturas.
clickbait do bem
emoções a mil: tulla luana diz que vai quebrar a cara de mara maravilha
webdiva convida apresentadora para o ringue, seguindo a linha de kleber bambam e popó. na mesma entrevista, critica roberto carlos, inês brasil e o ex-bbb davi. a influenciadora ainda chora pedindo perdão ao porteiro do seu condomínio com quem se exaltou certa vez.
aproveita essa tour para pensar:
eu sou muitos. mas, com o ser muitos, sou muitos em fluidez e imprecisão.
fernando pessoa
beijo beijo e até semana que vem!